Alice
Ela vagarosamente desceu os degraus da escada. Suas pernas ainda doíam. Uma dor latejante, adquirida pelas várias horas que caminhara naquele mundo sem rumo, que até a pouco não levava a lugar algum, até que avistou aquela estranha casa de velha e nova madeira. Tão pequena e grande. Coberta por um pouco de lodo e com rachaduras provocadas pelas intempéries. Tendo um grande e redondo relógio de prata fixado em sua porta. Onde se via seus ponteiros sempre a rodar em ritmo frenético ou sempre a ficarem imóveis, sem vida. Era tudo isto ou nada disto. Dependia dos olhos que criavam coragem de encará-la. Do que se deseja ver. E ela quando na porta chegou não encontrou resistência alguma, e ao abri-la provocou o som de madeira rangendo, assim como rangia a longa escada que cautelosamente percorria. Demorou-se pouco ou muito, não se lembra. Apenas em dado momento deparou-se com o fim do corrimão e seus degraus. Os pés protegidos apenas por sua gasta e rasgada meia, experimentaram um chão frio como se uma fina lâmina de gelo atravessa-se eles, fazendo com que a garota caísse de joelhos ao chão, e um gemido quase sem forças dela partiu, tamanha fora a dor que tomou conta de seu corpo. E ela juraria que em pontas de faca pisava se não houvesse passado suas mãos sobre o peito dos pés, tateando a procura de algo que confirmasse o que sua mente imaginava. Mas nada encontrou. Seus olhos ficaram pesados e tudo a volta era apenas escuridão. Já não havia mais escada, já não conseguia ver teu próprio corpo. Olhava para o nada, para o desconhecido. Para a escuridão que assola e que tanto cria medo nas pessoas. Que não deixa que se possa dar mais um passo sem fazer com que na mente cresça o pensamento de algo perder. De se perder. Se antes já se sentia sozinha, agora então ainda mais. Porém, daquela escuridão se criou uma gargalhada. E ela pode ver um par de olhos. Olhos grandes, que carregavam malícia e acompanhavam aquela sádica risada que ecoava a volta, cada vez mais fraca e que aos poucos foi morrendo. Seus pensamentos foram povoados por diversas coisas e sua imaginação trabalhou como nunca para tentar botar em moldes da realidade e de sua compreensão o que poderia ser aquilo. Não sentia medo, mas um fragmento de inquietude por não saber do que se tratava. E a inquietação lhe provocava raiva. E a raiva se personificou com suas mãos a agarrarem seu curto “vestido de menina no corpo de uma mulher”, e suas unhas mal-cuidadas começaram a penetrarem na carne de sua coxa, lhe despertando do estado que estava. Ela se viu em uma pequena sala empoeirada, com pequenina porta e com estantes de grossos livros e um pequeno banco de madeira quebrado. E em volta daqueles grandes olhos que se revelaram no escuro, se criou a peculiar figura de um coelho. Apoiado apenas em suas patas traseiras, imitando uma postura humana, com um blazer de cor roxa lhe dando ar de elegância e um pequeno relógio sem ponteiros em uma mão e um molho de chaves noutra. Ainda sustentava um largo sorriso e com um barulho insuportável de sua risada, com dentes grandes e amarelados a mostra.
“Olá Alice!” – Ele disse com voz contida em meio a risos e logo desatou a correr em direção a pequena porta e após abri-la com uma de suas várias chaves a atravessou e deixou entreaberta.
A garota ficou surpresa. A muito não escutava aquele nome. E mal o coelho começou a correr, ela foi em seu encalço sem pronunciar palavra alguma. Mas ao abrir a porta por onde ele havia passado, se deparou com pequenina sala de chão ladrilhado de preto e branco sob fraca luz de uma lamparina prendida ao teto. Para passar teve que se espremer por entre a porta, primeiramente pondo suas pernas para dentro e depois com dificuldade o resto do seu maduro corpo de mulher. Sentiu-se tentando adentrar em uma casa de bonecas. Tão deseja em sua curta infância. O coelho sempre a sorrir assistia seu esforço em tentar ganhar espaço ali. E não menos que uma vez, conferiu seu relógio.
“Como cresceu Alice. Como os anos se passaram e teu sorriso se tornou mais misterioso. Quanto tempo durou para que sua beleza apenas aflorasse? Talvez eu pudesse medir tua idade através das rugas que ganhei e pelos pêlos que caíram do meu corpo. Mas não possuo mais tempo. Não por agora.”
“Do que você fala? Eu estou a não entender nada. Como sabe o meu...”
“Tudo no seu tempo minha querida Alice. Por agora estamos atrasados e devemos ir.”
“Atrasados! Mas para que?”
“Para a sua história. Para viver a sua história.”
(...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário